A cultura da região é um forte elemento de difusão para o turismo. Cheia de singularidades que vão da diversidade de seu ecossistema, à originalidade de sua gente, a Costa do Dendê, ou o Baixo-Sul da Bahia, detém um raro ecossistema, composto por um manancial de bacias hidrográficas surpreendente, solos adaptáveis a diversos cultivos alimentares e exóticos, o que faz de sua gente um vetor potencial de cultura historicamente instalada, com características únicas e, ao mesmo tempo, resultantes do processo maior de miscigenação étnica do povo baiano e brasileiro. Aqui estão sólidas raízes indígenas através da maioria dos topônimos que denominam as ilhas, povoados e cidades. É a farinha de mandioca ainda o seu principal produto de subsistência, mantendo vivas todas as tradições da cultura da mandioca, desde os processos de plantio e beneficiamento semi artesanal, ao preparo de receitas culinárias à base de tapioca, carimâ, puba, etc.
Também os hábitos ligados ao ciclo produtivo da piaçava, espécie nativa da região, que determinou hábitos de construção de palhoças, cordame para barcos, cestarias e diversos tipos de artesanato que, ao lado da madeira, se constituem nas principais matérias-primas para os hábeis artesãos da terra.
Mas as raízes africanas também estão presentes de forma vigorosa e definitiva, através dos remanescentes de quilombolas espalhados pela região, na exuberância dos traços físicos e da cultura da maioria dos habitantes de Valença. Mas é principalmente pela cultura alimentar que a negritude se impõe em seus traços, através dos aromas fortes do dendê e da pimenta, do leite de coco, acrescentados ao farto repertório dos peixes e mariscos que fazem a delícia dos pratos apreciados pelos paladares mais exigentes. De Portugal, também estão fincadas as marcas culturais dessa região. A maior parte dos barcos feitos artesanalmente na Bahia ainda é proveniente dos estaleiros de Valença e do povoado de Cajaíba do Sul, em Camamu, estes originários daqueles, pelo menos do que se convencionou chamar de embarcações de mar aberto, já que os saveiros do Recôncavo cumprem a finalidade da navegação de rio até os limites do continente.
Essa é uma herança dos mestres navais portugueses, que nos estuários próximos à ilha de Tinharé, vislumbraram a possibilidade de adentrar com suas embarcações para realizar consertos de avarias verificadas durante o longo percurso ultramarino e as viagens exploratórias da costa brasileira. Ao observarem também a fartura de madeiras próprias para a carpintaria naval, aqui instalaram a atividade de manutenção e de construção dos barcos, encarregando alguns mestres artesãos das esquadras portuguesas de ensinar a arte aos nativos por volta do século XVII, quando se dá a pacificação dos habitantes originais, os tupis e aimorés, que resistiam bravamente à presença e domínio dos europeus. Diante de tal potencialidade – na região hoje denominada Baixo-Sul, verifica-se atualmente o record mundial de 144 espécimes de árvores lenhosas por hectare de mata atlântica - e de riscos à sobrevivência da cultura decorrente, não há estímulos à manutenção dessa arte na cidade de Valença.
Valença, hoje, inspira um desejo de desenvolver suas naturais vocações, dentre elas o potencial para a fabricação de barcos no estilo da antiga engenharia naval portuguesa, que vem chamando atenção do mundo.
Toda a história e cultura de Valença está entranhada da construção naval, derivando daí outras formas de arte, como a do entalhe em madeira, a que se entregaram não só os mestres carpinteiros, mas seus filhos e agregados, em função de uma outra demanda da construção dos barcos, que foi e ainda está presente: a da arte de decoração dos barcos com peixes, camarões, gaivotas e outras formas marinhas e dos mangues, feitos a mão.Tal prática nasceu como ocupação alternativa nos períodos de falta de encomendas de barcos e ajudou a manter economicamente várias gerações de mestres e aprendizes, tanto antes, quanto agora, em que os estaleiros se encontram decadentes.
A arte naval de Valença constitui, assim, um saber raro, num mundo onde a globalização se estende também à tendência de dominação cultural e ameaça a permanência de culturas singulares e localizadas. A cidade de Valença-BA se abre, assim, ao olhar da pesquisa antropológica e histórica, como registro científico e amoroso de seus saberes e fazeres específicos da arte naval.
O Poder Público municipal se empenha em resgatar esta arte artesanal no município, pois os construtores navais estão perdendo o seu poder de fazedores da cultura com a gradual dispersão dos referenciais de produção, sem que outras gerações sejam estimuladas ao interesse pela atividade e sua preservação.
Agora, esse conhecimento deve ser passado para as novas gerações, através de projetos de incentivo dessa prática tão importante para a manutenção da história e da cultura de Valença, pois se baseiam em técnicas rudimentares, utilizando um saber milenar como, por exemplo, um instrumento dos antigos vikings, que é o “graminho”, dentre outros.
Isso deve ser estimulado pela presença da Escola de Pesca, ou Centro Federal de Educação Tecnológica – CEFET para o processo de tombamento desse saber como patrimônio imaterial nacional numa atuação em torno da construção naval, que se constitui em uma das linhas educacionais propostas no projeto original.
Perceber a atividade em sua originalidade e força de expressão cultural. Assim, quando os grandes mestres do passado como “Zuza”, “Valtinho”, “Valmiro” morrerem, o conhecimento não se perderá com eles. Por isso, é de fundamental importância contribuir para ajudar a desenvolver saberes e manter viva uma cultura singular como a da Carpintaria Naval nos estaleiros de Valença.
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